A visão do STJ sobre direito a informação
O Superior Tribunal de Justiça publicou uma reportagem no seu site sobre
os conflitos entre a garantia da honra e da imagem e a liberdade de expressão.
O tribunal superior tem julgado inúmeros casos que pedem reflexão sobre quando
deve prevalecer o direito de a sociedade ser informada ou o direito de as
pessoas terem sua intimidade e honra resguardadas.
O STJ tem se valido da técnica de ponderação de princípios para solucionar
este tipo de conflito e vêm construindo jurisprudência considerável acerca do
assunto. A reportagem diferencia os casos, narrando exemplos que buscam o
equilíbrio entre a privacidade e o direito à informação, na maioria dos casos,
em relação a notícias publicadas pela imprensa
Leia o texto
A liberdade de informação e os chamados direitos da personalidade, como
a honra e a imagem, são garantias que têm o mesmo status na Constituição. São
cláusulas pétreas previstas na Lei Maior e prerrogativas fundamentais dos
cidadãos.
A livre circulação de informações é tida como imprescindível para a
saúde das democracias. O Conselho Constitucional da França acaba de decidir,
por exemplo, que o acesso à internet é um direito humano fundamental e que a
publicação de opiniões na rede mundial representa uma forma de liberdade de
expressão.
No entanto, embora estejam previstos nas constituições, esses direitos
nem sempre têm seu pleno exercício assegurado. Cada vez mais os cidadãos buscam
o Judiciário para reparar violações e garantir essas prerrogativas.
A popularização da internet e a multiplicação de veículos de comunicação
especializados nos mais diversos assuntos, com o consequente aumento da
circulação de informações na sociedade, têm levado os magistrados a apreciar,
com frequência cada vez maior, um conflito de difícil solução: entre o direito
de a sociedade ser informada e o direito de as pessoas terem sua intimidade e
honra resguardadas, o que deve prevalecer?
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), esse choque de princípios vem
sendo enfrentado pelos ministros, de maneira incidental, em inúmeros processos,
pois a resposta a essa pergunta passa quase sempre por uma discussão de fundo
constitucional, de competência do Supremo Tribunal Federal.
Os diversos colegiados que compõem o Tribunal vêm construindo
jurisprudência considerável acerca do assunto, sobretudo a partir de casos que
envolvem pedidos de indenização por danos morais. São questões como uso de
imagem, violação da honra, limites para divulgação pública de informações
pessoais, tudo isso paralelo ao direito da sociedade de informar e ser
informada pelos veículos de comunicação.
Ponderação
O STJ tem se valido da técnica de ponderação de princípios para
solucionar o conflito. A decisão sobre qual lado da balança deve ter maior peso
sempre ocorre de forma casuística, na análise do caso concreto, processo por
processo. Ou seja, não há uma fórmula pronta: em alguns casos vencerá o direito
à informação; em outros, a proteção da personalidade.
O que norteia a aplicação desses princípios e a escolha de um ou outro
direito é o interesse público da informação. Se uma notícia ou reportagem sobre
determinada pessoa veicula um dado que, de fato, interessa à coletividade, a
balança tende para a liberdade de imprensa.
Se uma pessoa é prejudicada por uma notícia que se restringe à sua vida
privada, haverá grande chance de ela obter indenização por ofensa à honra ou à
intimidade. Prevalece, neste caso, o entendimento de que, embora seja
relevante, o direito à informação não é uma garantia absoluta.
Nesse sentido, uma decisão da 4ª Turma proferida em dezembro de 2007 é
paradigmática: “A liberdade de informação e de manifestação do pensamento não
constitui direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o
direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”, escreveu o ministro
Massami Uyeda, relator do recurso em questão (Resp 783.139).
Veracidade das informações derruba pedido de indenização
Algumas decisões do STJ levam em consideração que a verdade do que é
publicado é condição indispensável para a configuração do interesse público da
informação, o que evita a responsabilização civil de quem divulga a matéria. É
o caso, por exemplo, do recurso (Resp 439.584) julgado em 2002 pela 3ª Turma.
Na ocasião, os ministros compreenderam que, no plano
infraconstitucional, o abuso do direito à informação está exatamente na falta
de veracidade das afirmações divulgadas. E mais: entenderam que o interesse
público não poderia autorizar “ofensa ao direito à honra, à dignidade, à vida
privada e à intimidade da pessoa humana”.
A questão era, até então, apreciada sob o prisma da Lei de Imprensa,
cuja inconstitucionalidade foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O
STJ, agora, utiliza a legislação civil, além da própria Constituição para
solucionar os conflitos.
Em maio último, a 3ª Turma julgou o primeiro recurso (Resp 984803) sobre
responsabilidade de veículo de comunicação após a retirada da Lei de Imprensa
do ordenamento jurídico. A decisão sobre o caso, relatado pela ministra Nancy
Andrighi, criou um precedente que deverá nortear os próximos julgamentos do STJ
em situações semelhantes.
O recurso foi interposto pela TV Globo com o intuito de alterar uma
decisão de segunda instância que havia condenado a emissora a pagar indenização
por ter veiculado reportagem no programa Fantástico na qual relacionava um
jornalista à “máfia das prefeituras” no Espírito Santo.
A decisão do STJ de afastar a indenização tornou-se uma espécie de
libelo a favor da liberdade de imprensa com responsabilidade. No voto, a
ministra relatora debruçou-se sobre a natureza do processo de produção de
notícias, reconhecendo não ser possível exigir que a mídia só divulgue fatos
após ter certeza plena de sua veracidade.
“Impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la e condená-la a
morte”, afirmou. “O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro
interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna
com rigorismos próprios de um procedimento judicial”, acrescentou.
Seguindo o voto da relatora, os ministros do colegiado entenderam que a
reportagem não havia feito afirmação falsa e que, como o programa não agira de
maneira culposa, não deveria arcar com a indenização. “O veículo de comunicação
exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade
investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas
sérias quanto à veracidade do que divulgará. Pode-se dizer que o jornalista tem
um dever de investigar os fatos que deseja publicar”, ressaltou a ministra.
Direito de personalidade é mais flexível para pessoas notórias
O conflito entre liberdade de informação e direitos da personalidade
também se apresenta com regularidade em processos julgados pelo STJ cujas
partes são pessoas com notoriedade, como artistas, políticos, empresários. A
jurisprudência brasileira reconhece que essas pessoas têm proteção mais
flexível dos direitos relativos à sua personalidade, como a imagem e a honra.
O entendimento do STJ, entretanto, é que mesmo pessoas notórias têm
direito a uma esfera privada para exercer, livremente, sua personalidade. E,
exatamente por terem esse direito, não podem ser vítimas de informações falsas
ou levianas destinadas a aumentar a venda de determinadas publicações ou
simplesmente ofensivas.
Esse posicionamento ficou claro no julgamento recente de dois recursos
apreciados pela 3ª e pela 4ª Turma. O primeiro processo (Resp 984.803) teve
origem com a divulgação por uma revista de fotos de um conhecido ator de tevê
casado. As imagens o mostravam beijando outra mulher. O segundo (Resp 706.769)
envolveu a veiculação por uma rádio de Mossoró, no Rio Grande do Norte, de
informações ofensivas à prefeita da cidade.
O STJ manteve a decisão da segunda instância da Justiça fluminense, que
havia condenado a editora da revista a indenizar o artista. O fundamento da
decisão foi exatamente que o ator, pessoa pública conhecida por participar de
várias novelas, possui direito de imagem mais restrito, “mas não afastado”. Os
ministros concluíram que houve abuso no uso da imagem, publicada com “nítido
propósito de incrementar as vendas” da revista.
A tese de que pessoas notórias, embora de maneira mais restrita, têm
direito a prerrogativas inerentes à sua personalidade também alcança os
políticos. No recurso envolvendo a rádio de Mossoró, o STJ, favorável aos
argumentos apresentados pela prefeita, definiu que o limite para o exercício da
liberdade de informação é a honra da pessoa que é objeto da informação
divulgada.
No voto que orientou a decisão no processo, o relator, ministro Luis
Felipe Salomão, explicitou esse entendimento: “Alguns aspectos da vida
particular de pessoas notórias podem ser noticiados. No entanto, o limite para
a informação é o da honra da pessoa”, escreveu. “Notícias que têm como objeto
pessoas de notoriedade não podem refletir críticas indiscriminadas e levianas,
pois existe uma esfera íntima do indivíduo, como pessoa humana, que não pode
ser ultrapassada”, acrescentou.
Notícia deve considerar presunção de inocência do acusado
O mesmo raciocínio jurídico aplicado às pessoas notórias também é
utilizado por alguns ministros do STJ na apreciação de ações e recursos que
tratam de questões como a dos crimes contra a honra: calúnia, injúria e
difamação. Nesses processos de natureza penal, também é frequente os julgadores
se depararem com a colisão entre a liberdade de informação e os direitos da
personalidade.
Na esfera penal, vê-se a presença de mais um elemento comum nas decisões
do STJ que lidam com o assunto: o princípio da não culpabilidade. Também
expresso na Constituição como garantia fundamental dos cidadãos, o princípio
informa que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado
(esgotamento da possibilidade de recurso) de uma decisão judicial condenatória.
Para parte dos ministros do STJ, ao divulgar informações sobre pessoas
que são acusadas em investigações criminais da polícia ou que figuram como réus
em ações penais, os veículos de comunicação devem sempre levar em conta a
presunção de inocência. Isso não significa limitar o livre fluxo de
informações, mas sim um alerta para que as informações sejam divulgadas de
forma responsável, de maneira a não violar outros direitos de investigados, por
exemplo, a honra.
Esse entendimento fica claro no voto apresentado pelo ministro Hamilton
Carvalhido em 2005, num julgamento de uma ação penal (Apn 388) pela Corte
Especial do STJ. O ministro chamou a atenção para a imprescindibilidade do
direito à livre informação, algo que considera “fundamental à democracia”, mas
ressaltou que ela encontra limites na própria Constituição.
Segundo o ministro, embora livres e independentes no direito e dever de
informar a sociedade, os meios de comunicação estão limitados no Estado de
direito às garantias fundamentais, entre as quais “[...] a honra das pessoas
que, em tema de repressão ao crime e à improbidade, há de estar permanentemente
sob a perspectiva da presunção de não culpabilidade, por igual, insculpida na
Constituição da República”.
Quando a privacidade sucumbe ao direito à informação
Se, por um lado, a liberdade de informar encontra barreira na proteção
aos direitos da personalidade, decisões do STJ evidenciam que, em diversas
ocasiões, prevaleceu a livre informação, como nas hipóteses em que as partes
processuais provocam o interesse jornalístico para depois, a pretexto de terem
sua honra ou imagem violadas, buscar indenizações na Justiça.
Ministros do Tribunal reconhecem que profissionais de distintas áreas, a
exemplo de atores, jogadores e até mesmo pessoas sem notoriedade se beneficiam
da mídia para catapultar suas carreiras. Nesses casos, é claro, as
manifestações judiciais, na maioria das vezes, não reconhecem ofensa às
prerrogativas da personalidade.
Num recurso julgado em 2004 (Resp 595600), o ministro Cesar Rocha, atual
presidente do STJ, enfrentou a questão como relator. O caso envolvia a publicação
em um jornal local da foto de uma mulher de topless numa praia em Santa
Catarina. A mulher recorreu à Justiça reclamando indenização por danos morais
e, após vários recursos, o caso chegou ao STJ.
O ministro Cesar Rocha não conheceu do recurso interposto pela suposta
vítima, entendendo que a proteção à privacidade estaria limitada pela própria
exposição pública realizada por ela de seu próprio corpo. “Não se pode cometer o delírio de, em nome do
direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma
pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem”,
sustentou o ministro. E completou: “Se a demandante expõe sua imagem em cenário
público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa.”
O atual presidente do STJ manifestou-se da mesma forma em outro
processo, o Resp 58.101, que se tornou paradigma em casos que discutem o
direito à imagem. Tratava-se do pagamento de indenização a uma famosa atriz e
modelo por uso indevido de sua imagem numa revista.
Ao se manifestar no caso, o relator deu razão à atriz, afirmando que,
por se tratar de direito personalíssimo, sua imagem só poderia ser utilizada se
autorizada por ela. O ministro ressaltou que a exposição pública de imagem deve
condicionar-se à existência de interesse jornalístico que, segundo ele, tem
como referencial o interesse público. O magistrado, entretanto, ponderou que a
disciplina jurídica é diferente nos casos em que a imagem é captada em cenário
público ou de maneira espontânea.
REsp 595600, REsp 58101, REsp 984803, REsp 783139, REsp 818764, Apn 388,
REsp 141638, REsp 883630, REsp 1025047, Resp 1053534