EFEITOS COLATERAIS
STF dá liminar favorável à Veja após lei derrubada
EFEITOS COLATERAIS
STF dá liminar favorável à Veja após lei derrubada
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7 de novembro de 2009, 14h44
Por Márcio Chaer e Gláucia Milício
O Judiciário decidiu, definitivamente, que o ex-secretário-geral da
Presidência da República, Eduardo Jorge Caldas Pereira, deve ser reparado pela
Editora Abril, por ofensas praticadas pela revista Veja há mais de quatro anos.
Mas, paradigma das mudanças vertiginosas recentes na Justiça brasileira, esse
direito poderá ser extinto. Como tem acontecido com frequência, dois
entendimentos do mesmo tribunal terão que passar pelo crivo dos ministros do
Supremo Tribunal Federal para se saber qual prevalecerá.
Um é que a coisa julgada — ou seja, a matéria decidida finalmente, com
trânsito em julgado — não pode ser desfeita. Outra tem a ver com o acórdão
publicado nessa sexta-feira (6/11), sobre o julgamento da ADPF 130. No caso, os
ministros definiram que a Lei de Imprensa (que, na época, favoreceu Eduardo
Jorge), não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Ou seja: a lei é
inconstitucional. Raciocínio lógico: se o direito reconhecido ao autor é
inconstitucional, ele não poderá ser executado. O efeito da decisão do Supremo,
no caso, é ex-tunc. Os seus efeitos são retroativos à época da origem dos
fatos.
Essa fundamentação também faz parte da Reclamação levada ao STF pelos
advogados Alexandre Fidalgo e Cláudia de Brito Pinheiro, do escritório Lourival
J. Santos Advogados, que representam a Editora Abril. Na mesma sexta-feira em
que se publicou o acórdão, o mesmo ministro que relatou a inconstitucionalidade
da lei, Carlos Ayres Britto, concedeu liminar a favor da imprensa para
suspender a publicação da sentença condenatória na revista.
Foi a primeira manifestação do STF depois da clamorosa decisão contra a
lei especial que regia os direitos e obrigações do jornalismo brasileiro.
Aparentemente simples, a decisão adotada em abril deste ano deixou pendências
óbvias dadas a extensão e a complexidade das questões envolvidas — a maior
parte opondo liberdade de expressão e direito à proteção da imagem e
privacidade. Uma delas é sobre a data a partir da qual a decisão no caso da
ADPF produz efeitos.
O recente acórdão esclarece isso: a Lei de Imprensa não foi recebida
pela Constituição, logo, é mesmo inconstitucional desde outubro de 1988. No
caso de Eduardo Jorge, no affair que divide a Veja e o reclamante, a revista
entra com a desvantagem de enfrentar coisa julgada. Mas tem a seu favor a
realidade: a sentença ainda não foi publicada na revista, como determinou o
juiz de primeira instância e confirmaram seus colegas nos tribunais.
Efeitos da decisão
Britto diz na liminar que, embora os princípios de liberdade de imprensa
e de direito a personalidade não tenham hierarquia, primeiro vem o da liberdade
e depois o direito à honra. Para decidir, o ministro relator estudou o que
disseram os grandes pensadores a respeito da importância da liberdade de
expressão nos séculos XVI e XVII para concluir, ao seu jeito poético, que “ter
o passado diante dos olhos para se aprimorar é uma virtude, mas que colocar o
passado adiante da concepção civilizatória em vigor é vexatório e vergonhoso”.
O relator chama a atenção para os incisos do artigo 5º em que se fixa
ser “livre” a manifestação do pensamento que, no artigo 220, converte-se em
liberdade “plena” — reforçando a noção de que não se pode cercear a imprensa.
Contudo, Britto ressalva que a eliminação de controvérsias a respeito do
assunto ainda pedirá alguns anos de reflexão e “enxugamento”. A declaração de
inconstitucionalidade pode não sepultar automaticamente processos baseados na
Lei de Imprensa, por exemplo, quando o delito em questão estiver capitulado em
outros diplomas, como o Código Penal ou a própria Constituição. No caso em
questão, o autor, Eduardo Jorge, argumenta que nem seu pedido nem a decisão
judicial fundamentaram-se na Lei de Imprensa. A previsão de publicação de
sentença só existiu na Lei de Imprensa, mas existe espaço para considerá-la
equiparada ao direito de resposta — previsto na Constituição. Na visão da
imprensa são coisas diferentes, já que o direito de resposta é do ofendido, não
do juiz.
O caminho para a solução, indicado pelo próprio ministro, é o
instrumento da Reclamação (utilizada pela defesa da Editora), que pode ser
apresentada diretamente ao STF para denunciar o desrespeito à decisão na ADPF
130 ou Embargos de declaração para clarear interpretações para casos concretos
controversos. Não serão poucos. O julgamento da ADPF foi tumultuado e algumas
complexidades do tema não foram aprofundadas — o que deve gerar dúvidas a
granel até que direitos e obrigações sobre o assunto estejam delineadas.
Contudo, a detalhada ementa produzida pelo relator Carlos Britto na ADPF
130 manda um recado para as instâncias de base, o que se justifica pela
resistência de grande parte da magistratura em admitir a liberdade de expressão
como um valor a ser preservado. A decisão é um divisor de águas, já que uma
nova cultura vai ser implantada. Juízes de primeiro grau e tribunais ainda
lidam com dificuldade com a exigência de dolo para a existência de dano moral.
Tem-se levado em conta apenas a existência de dano. Assim, um médico condenado
em Minas Gerais por ter deformado o rosto de uma paciente vai à justiça e obtém
a condenação dos jornalistas que apenas relataram o fato.
Com isso, é possível diagnosticar que, no caso do Estadão, envolvendo o
empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney, o
primeiro ministro que receber a Reclamação vai suspender a censura. Ou seja,
nem a lei nem o juiz podem decidir o que se pode ou não falar — respondendo,
posteriormente, no caso de abuso.
Histórico
No caso Eduardo Jorge, a Justiça condenou a Abril a pagar um determinado
valor a título de dano moral e determinou, com base no artigo 75 da Lei de
Imprensa, que fosse publicado na revista impressa e veiculado no site de Veja a
sentença transitada em julgado. O valor referente à indenização já foi cumprido
pela Abril, e Eduardo Jorge busca executar a publicação de sentença.
O juiz de primeira instância, agora na fase de cumprimento de sentença,
determinou a intimação pessoal da Abril para o cumprimento da publicação da
sentença. Eduardo Jorge interpôs Agravo de Instrumento para o TJ-DF,
sustentando que bastaria a intimação aos advogados constituídos, via imprensa
oficial, para que a Abril cumprisse a ordem.
O TJ-DF, em tutela antecipada recursal, determinou que a Abril
publicasse a sentença. Os advogados da Abril pediram reconsideração, que não
foi aceita. Por fim, os advogados recorreram ao Supremo com a Reclamação.
Sustentaram que o TJ-DF, ao determinar a publicação de sentença violou
orientação do Supremo referente a Lei de Imprensa, já que tinha declarado a lei
inconstitucional.
“Se o STF declarou a invalidade jurídica da Lei, desde 1988 ela não
poderia ser aplicada. Portanto, todo comando judicial sustentado na referida
Lei deve ser declarado inexigível. Ou seja, a sentença que Eduardo Jorge busca
executar é, no capítulo de publicação de sentença (artigo 75 da falecida Lei
5250/67), inexigível à luz do atual sistema jurídico", explica Alexandre
Fidalgo.
Por isso, o ministro Ayres Brito concedeu a liminar na reclamação para
que sejam sobrestados os efeitos da decisão do TJ-DF.
PAPEL DA IMPRENSA
Se não houve intenção de ofender, não há dano
PAPEL DA IMPRENSA
Se não houve intenção de ofender, não há dano
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1 de setembro de 2009, 7h58
Por Lilian Matsuura
É preciso ter intenção de ofender para que um jornal ou um jornalista
sejam condenados por texto publicado, por mais crítico e duro que seja. Não
basta que o personagem da notícia se sinta ofendido. Com base nesse
entendimento, usado por diversos juízes, desembargadores e ministros do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o advogado José
Rubens do Amaral Lincoln pretende provar a improcedência da ação por danos
morais contra o Integração — O Jornal do Povo, de Tatuí (SP), e o seu diretor,
o jornalista José Reiner Fernandes.
O jornal e o jornalista são acusados de agredir, perseguir e manchar a
honra e a imagem de Henrique Autran Dourado, então diretor do Conservatório de
Tatuí, em seis notícias publicadas. Em uma nota da redação, o periódico revelou
a existência de dois procedimentos no Ministério Público de São Paulo para
apurar irregularidades na administração da Associação dos Amigos do
Conservatório, entre elas, as circunstâncias de nomeação do diretor. Uma frase
considerada ofensiva dizia: “Portanto, do Ministério Público a atual diretoria
do Conservatório não escapa”.
Na contestação, a defesa do veículo e do jornalista afirma que “nada,
absolutamente nada” nas notícias podem ser consideradas ofensivas à honra e à
imagem do autor da ação. “Uma coisa é ofender; outra, sentir-se ofendido. A lei
não protege a sensibilidade exacerbada”, distingue.
Segundo o advogado de defesa, em nenhum momento o jornal se refere à
vida pessoal do autor. Restringiu-se a cumprir o seu dever de informar um povo
que tem o direito constitucional de ser informado.
A defesa é focada em inúmeros precedentes em que o Judiciário
brasileiro, de primeira a última instância, decidiram que para se condenar a
imprensa é preciso provar que o veículo e seus jornalistas tiveram a intenção,
o chamado dolo específico, de atingir a honra e a imagem do personagem da
notícia.
O advogado cita, por exemplo, voto do ministro Jorge Scartezzini, no RE
719.592: “No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através
da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de injúria,
difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o ofensor agiu com
o intuito específico de agredir moralmente a vítima”.
José Rubens do Amaral Lincoln, na contestação, lembra ainda trecho do
voto do ministro Celso de Mello na ação (ADPF 130) em que o Supremo Tribunal
Federal considerou inconstitucional a Lei de Imprensa. “Uma vez dela ausente o
animus injuriandi vel diffamandi, a crítica que os meios de comunicação social
dirigem às pessoas públicas, especialmente às autoridades e aos agentes do Estado,
por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu
concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos
direitos da personalidade”, entendeu o decano.
O advogado lembra ainda que a ação com base na Lei de Imprensa, foi
ajuizada um mês depois da suspensão parcial
da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal. Mais tarde, o próprio
STF revou a lei, por considerá-la inconstitucional. Com o reforço dos
argumentos usados pelos ministros, o advogado pede ao juiz da Comarca de Tatuí
que a ação seja julgada improcedente.
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